quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Faria (farei) melhor

Há duas facas na mesa a espera de sua barriga afiada. Um gosto obscuro pelo assassinato não reduz a beleza de tal atitude. É simplesmente lindo ver as tripas pulando para fora do corpo quando o corte é bem dado. Até emerge em mim uma vontade de afogar-se no sangue fresquinho que escorrega por entre o intestino, a virilha e os vãos dos pisos. Duas facas, uma morte. Covardia do objeto perante o homem? Não, já que apenas uma seria o suficiente para causar o mesmo resultado. Porém, o par tem a capacidade de elevar o ato, facilitar a incisão e incentivar o caráter lúdico das notícias das paginais policiais. “Crime hediondo no Planalto Central”, “Sem dó”, sorrio na expectativa das manchetes do dia seguinte. Em contraposição, não estou muito satisfeito com a forma que conduzi minha ópera. Sei lá.

Não era crime encomendado, nem passional. Eu mal sabia o nome da vítima, embora tivesse a certeza de que ela deveria ser a vítima. Foi um doce culto ao finito da carne. Acalentadoras sinfonias de dor deram vida ao espírito do lugar. É verdade que me sujei um pouco, mas não tenho nojo. Sendo o meu trabalho uma extensão de mim, tudo é limpo e possível. Além disso, quem entra na chuva não pode ter medo de se molhar – em particular, fui sem guarda-chuvas para me proteger da tempestade de sangue. Divino! Essas previsões do tempo, de qualquer tempo, nunca são perfeitas. Aprendi isso bem cedo, antes de ter um desejo compulsivo pelas obrigações católicas. Depois, esqueci dos ensinamentos de minha família e do Padre Pedro para me dedicar às tarefas impostas pela curiosidade. Não sou Serial Killer, porque não assassino pessoas em série, pelo menos eu acho. Sigo uma linha sem regras: mato uma aqui, espero um ou dois anos, mato mais uma, espero mais um pouquinho e mato de novo. Assim, não chamo tanta atenção. É, sou irritantemente contraditório. Se não me engano, matei seis, contando com esta última.

Você deve estar se perguntando um monte de coisas agora, né? Bom, darei algumas respostas audíveis para as suas perguntas silenciosas: não, eu não sou estuprador; sim, só ataco mulheres, mas não tem nada a ver com a suposta fragilidade delas. Só as ataco porque elas conseguem lidar com a dor muito melhor do que os homens. É lindo vê-las chorando e tremendo, com aquela voz suave, antes do golpe final. Infância difícil? Talvez. Não diria nem que sim nem quem não. Aliás, já falei sobre isso e repito que as previsões do tempo não são perfeitas.

É tão bom se sentir Deus, a ponto de decidir em qual minuto, segundo e dia a pessoa vai morrer. Adrenalina pura! Ahhhhhhhhhh... essas memórias me deixam bastante excitado. Queria poder voltar no tempo e aprimorar o corte, dar o tiro mais centralizado, sufocar com nylon e não com corda vagabunda, atear fogo com álcool e não com querosene. Tantas coisas que eu mudaria. Pena que o tempo não volta. Por isso, prometo melhorar na próxima investida. Quem viver, verá ou lerá – com toda a certeza.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Por enquanto...

“Mudaram as estações. Nada mudou. Mas eu sei que alguma coisa aconteceu, está tudo assim tão diferente...”

Legião urbana

Tudo se transforma. A natureza foi esperta ao se auto programar. Na dinâmica da cadeia alimentícia, o melhor sobrevive, tem o direito de entrar pela porta frente e não se preocupar com os fundos da casa. Mas a questão não envolve esperteza apenas. As árvores não sentem falta das flores ausentes quando estas caem quando devem cair.

Cássia Eller

Até então imutável. A origem, o passo inicial é o último dos primeiros aspectos de uma evolução necessária. Deus fez a pedra; o homem, a pedra lascada, a lixa, o lixo, as armas... desenvolvimento. Somos imagem e semelhança Dele? Bela lógica, embora, às vezes, a finalidade não seja tão “interessante” quanto se supõe.

Capital Inicial

Ao lado do destino, escolhas; ao lado das escolhas, dúvida; ao lado da dúvida, pureza. Amém. Sabemos disso do mesmo jeito que a semente sabe que o solo é seu aconchego; do mesmo jeito que o pássaro aprende a tecer meticulosamente o seu ninho. Assim, “estamos indo de volta para casa”, independente das escolhas ou estações. A repetição repetitiva não precisa ser igual.

Vanessa da Mata

domingo, 23 de novembro de 2008

Toque divino

A porta entreaberta denunciava o que estaria por vir. Tocou lentamente nos mamilos, deixando os dedos anelar e médio contornarem a aureola dos seios. Era um costume antigo. Desnuda diante de si mesma, ela sentia-se bem. Enquanto tocava-se imaginando não imaginar nada, absorvia uma cumplicidade divina emanada pelo silêncio. Mas a porta rangeu.

O vento estragara a possibilidade de um deleite ainda mais profundo na frente do espelho. Os pêlos arrepiados pelo auto prazer reverenciavam, aos poucos, a pele sedosa que protegiam. Laura fechou a porta e a trancou pelo lado de dentro.

A calcinha vermelha estava bem confortável. Os detalhes em miçangas e um bordado especial nas extremidades do tecido davam um toque de requinte ao que se bastava.

Havia fogo escapando pelas dobrinhas da virilha. Laura abaixou-se vagarosamente, empurrando sua calcinha para o chão. Dava pra ver uma sombra embaçada de seu rosto pelo anel folheado a ouro que tinha no dedão da mão esquerda. Ela era destra. Usou as duas mãos para facilitar a retirada da veste íntima que cobria sua delicada buceta. O clitóris extrovertido refletia o que Laura sentia interiormente. O fogo alastrou-se.

Uma parte do sofá estava ocupada por objetos velhos que tinham sido remexidos no dia anterior. Ela jogou tudo em cima da mesa de centro, sentou-se afastando as pernas o suficiente para que o dedo indicador pudesse ter a liberdade na região do períneo. Estava esticada, mas não muito. Não apagou nenhuma luz, tampouco as chamas de si. Ao mesmo tempo em que experimentava o tato do prazer materializado em líquidos claros e consistentes, puxava o próprio cabelo, de maneira suave, punindo-se pelo desejo do orgasmo solitário. O dedo indicador entrou fácil no cú, auxiliado pela lubrificação natural que escorria aos mililitros de seu sexo. Pôs o segundo dedo no ânus. Ousou o terceiro. Desistiu.

As cortinas iam de um lado para o outro. O vento que soprara rangendo a porta dança, ao passo que Laura faz-se de violão: dedilha e escorrega, onde as notas musicais são expressas pelos gemidos tímidos em lá menor. Todo o corpo reage ao testemunhar seu momento sublime. Ela abriu mais as pernas para facilitar a penetração do dedo médio da mão direita na xota. Roubando o lugar de um homem, os suores percorriam os peitos suculentos e rebolavam sobre as curvas dela. Contração total dos músculos: cruzou as pernas tentando prender pra si todo o gozo do qual fugia há anos. Não conseguiu. Ela sujou muito mais do que a mão direita e os dedos anelar, médio e indicador. Haviam gotículas espalhadas pelo sofá. Fora de si, ela continuava lá. Mas a inocência não estava mais nela.

Entorpecida por todo o ocorrido, Laura levantou-se assustada, pegou o terço guardado em sua bolsa e pediu desculpas através de pensamentos. Ela não tinha lembrado de lavar as mãos. Logo depois tomou o banho mais leve de sua vida, colocou a mesma calcinha vermelha que usara antes da masturbação, pôs um vestido comprido por cima e foi para a igreja confessar-se. Ela era muito religiosa. E ainda é.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Não vendo

A texto abaixo é uma resposta ao post do dia 30 de janeiro
O que ficou pra trás não volta. Não acredito no amor em forma cíclica. Para mim, você não existe mais, virou átomo obsoleto. Até a poeira que respiro possui mais significado que as recordações onde sua figura é constante. Com relação ao Martini, só posso te dizer que as sensações causadas em mim pelo álcool foram e são infinitamente maiores do que quaisquer prazeres que um dia você pensou ter me proporcionado. Sabe, às vezes a solidão brinca de companheira só para se fazer de transparente e, com isso, ludibria-nos até o esquecimento da existência dela própria. Esquecimento este, para o seu pesar, mentiroso. Um aviso: curta a solidão enquanto estiver só, porque eu tive que aproveitá-la, amargamente, da pior maneira: contigo. Paradoxal? Não. Apenas triste. Desta vez eu não cuspo você, mas em você. Este sim será o único jeito de sentir novamente o gosto de minha saliva.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Eu pago

Olho para aqueles olhos e desisto de pensar no pior. Sou otimista, claro. Algumas vezes perco o raciocínio imaginando o sorriso cravado feito nuvens límpidas em sua face. Queria arrancar a esperança de nunca mais ter esperanças contigo. Você me faz mal, mas é um mal tão bom... Já acordo aguardando o momento que dormiremos juntos, agarradinhos, num oceano de loucuras livres em formato de conchinha. Você me aquece mesmo nas memórias mais frias. Distante? Sou simplesmente uma parte do que você cuspiu e largou entre a Av. Brás de Pina e o terceiro gole de Martini. Cuspa-me outra vez, porque se esse for o preço para sentir novamente o gosto de sua boca, eu pago.

Me descupem por tanto tempo de espera. Desta vez, voltei pra ficar!

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Deflorando lembranças I

Vale o preço. Quem grita esperando o eco, só ouve a décima parte do que queria. Escutar é ação necessária quando a boca fala pelos cotovelos. Ele entra com a mesma roupa de ontem, na sala de espera. Mas não espera ninguém. Deixa a fatia de tempo caminhar suave, sem responsabilidade para aquele espaço físico. Mexe as pernas de um lado para o outro. Está com as mãos nos bolsos de uma calça jeans surrada, recostado na parede. O som das hélices dos ventiladores avisa com rotina: o mundo gira feito roda. Ele não liga. Ficou inerte desde a última vez que sentiu o rosto sensível do mal.

Desencostou da parede, pegou um copo pequeno e sujo que estava na mesa perto da janela e olhou para o reflexo embaçado. Não era por acaso: estranho seria ver uma imagem límpida de alguém que sequer enxerga a si mesmo quando fecha os olhos. Contudo, ele fechou as janelas. O vento que movimentava as cortinas sóbrias de um lugar solitariamente embriagado se chocava com o desejo eólico do ventilador turbulento. O embaço não foi mais visto. Quis não acender as luzes. Fechou as cortinas e cessou a última esperança de luz. Adeus sujeira, adeus calça jeans, adeus parede. Qualquer descrição agora seria mentirosa, pois nada era visível.

Por outro lado, as sensações cresciam, empurrando a mente para um estágio maior de remorso. Sem culpa, ele lutava em silêncio pelos sons que ainda não havia escutado. “Você é muito importante pra mim”, “te amo”, “volte para os meus braços”. Esqueceu-se de lembrar que era vício ter em mente somente virtudes. Recuou dois passos, tropeçou num tapete indiano antigo e viu que não tinha controle sobre as surpresas, afinal, surpresa é surpresa.

Um pequeno corte no joelho não seria o bastante para deixar seqüelas. Costurou para si a última parte de desejo escondido, não aceitou seu próprio sim como resposta, levantou-se e acendeu as luzes. Desligou o ventilador, ouviu uma voz inexistente que insistia em ficar calada. Era a mente num processo de monólogo. Ele persistia, sem controle, sem ação. Retirou a carteira do bolso traseiro da calça, abriu o velcro e pegou uma foto 3X4. Era a única foto da menina-mulher que jamais havia lhe dito um “oi.”

Uma vez, andando pelas ruas, sentiu a respiração paralisando sua linha de raciocínio. Foi um estalo que ecoou. Não sabia o nome dela, nem quem era de verdade. Mas tinha a certeza de que aquela respiração se repetia, multiplicava na sua cabeça. Era aquilo que ele queria. E querer não é poder. Por que o vento o fazia lembrar? Por que o silêncio se comunicava com ele, como se este fosse a voz ininterrupta dela? Por que matar alguém e roubar a foto 3X4 para saciar um desejo obscuro e pessoal? Não havia corpo, não existiam indícios. Decidiu tomar a decisão mais dolorosa e menos cruel dos últimos dias: rasgou o retrato. Decerto, a imagem era a única fonte de medo e esperança que poderia existir. Não queria admitir que os sons dos gritos e do choro eram as únicas coisas que ele havia dito. Não queria tê-la enforcado, não queria estuprá-la. Mas o fez sem motivo aparente, vilipendiado pelo instinto e egoísmo de ter pra si o que não lhe pertence. Ligou o ventilador outra vez e deixou que o vento espalhasse os pedaços do retrato que ele acabara de rasgar. Os ecos dos ecos pararam. Era o fim.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

A Era Moderna era moderna?

“Estamos livres”, lamentavam os escravos. A carta de alforria chegou, mas não trouxe consigo a educação, tampouco a qualificação profissional para que os negros pudessem, realmente, seguir o caminho com suas próprias pernas. Os dirigentes brasileiro-portugueses, fizeram isso por pressão inglesa, e também por tratar-se de uma lógica de mercado, já que se o Brasil não abolisse a escravatura, o financiamento de algumas obras, empréstimos e outras “vantagens” não poderiam ser “oferecidos” pelo governo britânico. Havia ainda a premissa de que, menos escravos significariam numa maior população com poder de consumo. Mas, pelo menos durante muitos anos, essa hipótese não figurou como prática.

Tempos depois, já na Era Vargas, a instituição do salário mínimo e a aceleração do desenvolvimento comercial e industrial, seria a chance de regular o fluxo financeiro de todos. A idéia de salário mínimo funcionou, tanto é que ainda existe, mas a falta de uma infra-estrutura continuou a ampliar os ganhos dos ricos e transformou os pobres em mais pobres (abismo social). Só que, quando eu falo de pobres, deve-se ter em mente que me refiro a três quartos da população brasileira.

Em décadas posteriores, o que se via era a importância mais acentuada da integração dos mercados mundiais. “Dane-se o individual, o individuo!”, pensavam os mais radicais perante esse cenário. Para eles, quem está “lá em cima” quer mais é enriquecer com o aumento de consumidores. “Uma andorinha só não faz verão”, argumentavam os favoráveis a tal panorama, porque tudo, com a chamada globalização, tornou-se uma coisa só. Trocando em miúdos, as nações passaram a depender de maneira mais central, umas das outras. Enquanto as culturas se misturam – ou perdem características tradicionais – por conta de influência externa, blocos e mais blocos econômicos são concebidos para legitimar essa tendência mundial capitalista.

Nesse contexto, o que antes era destinado ou preferível que acontecesse em espaço público, como as grandes mobilizações e discussões políticas, hoje são feitas pela lente da câmera, por uma tela ou um slide que tira a necessidade, bem como a oportunidade do “olho no olho”. E, quando expressos ao telespectador, os temas são trabalhados de modo superficial, uma vez que “time is money”, sobretudo na TV. Por mais que tal aparelho seja um dos símbolos democráticos do país, em contrapartida, ele motiva o distanciamento das questões sociais, em certas ocasiões (paradoxo). Portanto, para um público que já vê política com maus olhos, fica difícil discernir entre o que é marketing pessoal do que, verdadeiramente, é política.

Com isso, como já foi dito neste blog, os objetos como televisão se “humanizam” cada vez mais, ao passo que os humanos vão “coisificando-se”. A possibilidade de ser onipresente e, ao mesmo tempo, não sair do lugar de origem, além de fazer com pessoas sejam ordenadas por outras que não falam a língua delas, gera também um problema atual, que me remete ao passado: não deixamos de ser escravos. Mas hoje, os nossos donos não têm rosto, nem sentimento, pois se tratam da tecnologia e do dinheiro. Então, dificilmente, há quem cresça sem, pelo menos, um desses fatores enraizados. A velocidade e mobilidade da Era Moderna são coisas, até então, imensuráveis. O que existe pode modificar, reorganizar e dissolver a qualquer instante, dependendo do mercado. Como diria Marx: “tudo que é sólido desmancha no ar”.